Crónica de Alice Vieira | Dias de tudo

Alice Vieira

Dias de tudo

Por Alice Vieira

 

Todos os meus amigos sabem que o melhor que me podem dar é uma festa.

Festejo tudo, absolutamente tudo.

E tenho uma agenda onde todos os dias são dias de alguém ou de alguma coisa.

Passo por cima daqueles dias que toda a gente conhece e festeja (Dia de Camões, Dia de Santo António, Dia de Todos os Santos, 1.º de Dezembro, etc.).

Passo também por cima daqueles mais insípidos (Dia dos Vegetais Frescos, Dia dos Seguros, etc.), para ficar com aqueles que, neste mês de Dezembro, deviam mesmo ser muito bem comemorados, a saber: Dia do Bolo com Calda de Maçã  (dia 4), Dia do Gelado de Chocolate (dia 7), e sobretudo o Dia de Ver Quem Grita Mais (dia 20).

Confesso: este é o meu dia preferido. E, muito sinceramente, até acho que devia ser feriado em todo o país (continente, ilhas e Olivença).

Toda a gente saía de casa, cada um com a sua razão específica para a berraria.

— Onde é que vais?

— Vou ver se consigo berrar mais que o vizinho de baixo quando o Benfica perde.

Ou:

— Vou berrar para a porta do Centro de Saúde a ver se consigo consulta.

Nesse dia podíamos berrar por tudo o que queríamos porque ninguém dizia nada, ninguém refilava, ninguém se aborrecia nem ameaçava chamar a a polícia. Ficávamos com a garganta ligeiramente apanhada, lá isso é verdade, mas pronto.

Este dia 20 de dezembro seria o Dia Oficial da Chinfrineira, ou seja, o DOC (que até parecia que estávamos a chamar Doutor a alguém, o que é sempre bonito.…).

E depois podíamos enfrentar serenamente os dias seguintes.

Aqui fica a ideia. Pode ser que o governo concorde e este feriado seja a sua prenda de Natal para todos nós.

 

Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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